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07/11/2012

AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO (1868-1916): Homenagem aos 145 anos de seu nascimento que ocorrerá em maio de 2013.

UMA BREVE INTRODUÇÃO AO UNIVERSO DE AFONSO ARINOS

Humberto Neiva

1) Palavras Iniciais

O sertão encerra muitos contrastes. Expressa a nudez da terra, a força de seu povo, a natureza mágica e mística, a mais pura realidade, a dura violência, a profunda miséria. É como o deus Janos: bifronte. Nesse

cenário, possibilita-se construir, no universo da arte e da literatura,

a expressão de uma nação e de tudo aquilo que ela oferece como

realidade criativa.

Nesse tecido, Arinos criou e permeou toda uma literatura, regional,

local, brasileira, com cheiro de terra, com um profundo amor à infância.

Mais do que isso, criou uma obra universal a partir de suas estórias e

personagens. Exerceu a escrita em seu mais alto teor.

2) A Família Melo Franco

O fundador da Família Melo Franco foi o português João de Melo

Franco, nascido em 1721 e tendo chegado ao Brasil, no Rio de Janeiro,

por volta de 1750. Em 1757, ele já residia em Paracatu, Minas Gerais. O

sobrenome Melo é de origem materna, família nobre, natural da região de Bucelas, ao norte de Lisboa. O sobrenome Franco é de origem paterna.

João de Melo Franco casou-se com dona Ana de Oliveira Caldeira,

sobrinha de Felisberto Caldeira Brant, com quem teve onze filhos, dos

quais apenas dois homens, o mais velho e o caçula. Foram seus filhos:

Francisco, Francisca, Maria, Rosa, Ana, Joana, Brígida, Beatriz, Bárbara

e Joaquim.

Francisco nasceu em Paracatu em 1757, e tornou-se muito conhecido

nos meios literários e científicos de Portugal e do Brasil, posteriormente.

Integra-se na História Literária e na História Científica de ambos os

países.

Contribuição importante de Francisco de Melo Franco para a ciência foi

a introdução da vacina contra a varíola. Também de grande valor é o

seu livro sobre puericultura, cabendo-lhe, por isso, o título de Primeiro

Puericultor do Brasil.

Joaquim de Melo Franco, o irmão caçula de Francisco, apesar de não

ter alcançado a notoriedade de seu irmão na vida brasileira nem na

portuguesa, é, para o assunto em questão, um dos mais importantes,

pois através dele vamos ter o ramo mineiro dos Melo Franco, sendo o

bisavô paterno de Afonso Arinos. Foi um sertanejo com grande atuação

na vida de sua terra natal, repercutindo até na Revolução de 1842.

Nasceu no ano de 1770. Apesar de Paracatu pertencer à Diocese de

Olinda e Recife, e Joaquim de Melo Franco ter chegado até lá para

alguns estudos preparatórios, necessários para o ministério sacerdotal,

foi ordenado sacerdote em Mariana, por provisão que concedia licença

ao Prelado dessa cidade e por encontrar-se candidato apto para receber

as ordens sacras.

Apesar de ordenado sacerdote, vestia batina apenas para a realização

dos atos oficiais na sua igreja. O sacerdócio não modificou as suas

atitudes de valente, político e brigador e de pai carinhoso, vivendo

com sua mulher e educando os seus filhos. Era chamado Vigário Melo

Franco.

Era casado com Maria Francisca Cunha Bueno, com a qual teve sete

filhos e uma filha, dona Antônia de Melo Franco, avó paterna de Afonso

Arinos. Dentre os seus filhos, três se transferiram para a Europa, onde

se educaram, formando-se todos em medicina: Manuel, Bernardo e

José.

Dona Antônia de Melo Franco casou-se com o tenente José Martins

Ferreira, sendo os avós paternos de Afonso Arinos. O casal teve sete

filhos, quatro homens e três mulheres, sendo Virgílio, pai de Afonso

Arinos, o mais velho, nascido 29 de agosto de 1839.

Virgílio adotara o nome de Virgílio Martins de Melo Franco, nome que

usou até o fim da vida. O motivo desta opção de Virgílio pela assinatura

materna deve estar no fato de, apesar de honrado o nome paterno, o

apelido da família Melo Franco já era de projeção, não apenas por causa

de seu tio-avô, mas também por causa de seu tio e padrinho Manuel.

Não foi somente ele quem mudara o nome, mas todos os outros irmãos

e irmãs, com exceção do mais moço, que conservou o apelido paterno.

Virgílio se casou com dona Ana Leopoldina Pinto da Fonseca, filha

de João Crisóstomo Pinto da Fonseca Júnior e de Franklina Pimentel

Barbosa, em Paracatu, no dia 3 de maio de 1867. Tiveram vários filhos,

com destaque para Afonso Arinos e Afrânio. Afrânio seguiu carreira

diplomática e foi Ministro das Relações Exteriores, considerado o

Estadista da República, pai de Afonso Arinos (sobrinho).

Afonso Arinos era o primogênito e nasceu no dia 01 de maio de 1868,

em Paracatu. Foi um menino criado longe das estufas e da educação

artificial dos grandes centros. Um menino como outro qualquer, da

sertaneja cidade. E misturava-se a todos os meninos e vivia a sua vida

de traquinices pelas ruas quietas da cidade quase centenária, que

não sabia o que fosse o mundo artificial da civilização ditada pelas

metrópoles. Vivia a sua vida à solta. Era um tipo dominante, destes que

hoje se cognominam líderes. Esta dominação sobre outros, Arinos a

levou vida afora.

Era um tipo andejo, aventureiro, impulsivo e sentimental. Sabia

comprazer-se com os fatos mais ínfimos da natureza. Aquelas primeiras

impressões de criança se gravaram profundamente em seu coração.

Apanhou a matéria fresca e úmida, e aí se gravou, e acompanhou o

homem para o resto de sua vida.

3) Uma Rápida Cronologia Biográfica

1868: Nascimento em Paracatu, Minas Gerais, em 01 de maio.

1885: Iniciou o curso de Direito em São Paulo.

1890: Vários trabalhos publicados.

1897: Assumiu a direção do “Comércio de São Paulo”

1901: Eleito sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro. Eleito membro da Academia Brasileira de Letras.

1916: Falecimento em Barcelona, no dia 19 de Fevereiro.

4) Aspectos da Obra de Arinos

Arinos sempre procurou retratar o sertão de modo realista, sensível e de

coração aberto. O povo sertanejo era a outra parte onde sempre buscou

enfocar as qualidades, as contradições e os costumes dessa gente

humilde. O sertão e o seu povo, nesse binômio construiu uma literatura

dentro de um equilíbrio notável chamando a todos, através de seus

escritos, para um mundo novo, inexplorado e grande.

A natureza em sua obra é viva, não é segundo plano, é mais um

personagem na interação, se mistura aos humanos e forma um conjunto

único, que atua, que pulsa e que marca um ritmo firme na progressão da

narrativa.

Os buritizais, os jenipapeiros, os ingazeiros, os baruzeiros e outras

vegetações povoam os cenários de Arinos, testemunhos típicos da

região noroeste de Minas Gerais, demonstrando a pujança da natureza

local.

Tudo que se movimenta para ele tem uma sonoridade associada a uma

visão nua de uma paisagem primitiva e rude.

Um traço marcante na obra de Arinos é a presença do poético em sua

prosa e, em certos escritos, poderíamos denominá-los de poemas em

prosa, pois o poema é via de acesso ao tempo puro, imersão nas águas

originais da existência. “Buriti Perdido” representa o ponto mais alto

onde evoca a resistência às grandes intempéries e demonstra a força e

o caráter que persevera na natureza e no povo do sertão. Na palmeira

solitária que ergue aos céus as palmas tesas, ao centro da campina

verde, no mais simples gesto de súplica, Arinos vê “o poema vivo de

uma raça quase extinta”.

No sertão mineiro está presente em suas tradições o culto à Virgem

Santíssima. É um traço forte dos nossos ancestrais portugueses em

toda ,a região do Noroeste de Minas e arredores, indo até Goiás.

Encontra-se nos escritos referências a Nossa Senhora da Abadia do

Muquém, centro de Goiás, cuja origem era Abadia do Muquém um

quilombo nos tempos da Capitania. Muquém é uma grade de madeira

para receber a carne que deverá ser assada em braseiro. É um local de

famosa romaria a qual se destina uma vasta população da região, todo

ano.

As festas típicas, folclóricas, os tipos de habitantes, as construções,

tudo isso permeia a obra de Arinos e tem em seus escritos um encanto,

mas deixa no autor um certo desalento, como no trecho: “Nesta nossa

terra, onde as tradições tão depressa se apagam, tão cedo esquecem

as velhas usanças – o encontro, muito raro, de algum objeto antigo tem

sempre para mim alguma coisa de delicado e comovente.”

Arinos foi, por vezes, criticado quanto à escrita com forte influência

clássica, afastando muitas vezes de um linguajar próprio local,

contrastando com a paisagem e a natureza sertaneja. Na verdade,

a pretensão de Arinos era maior, objetivava a abrangência, a

universalidade, queria uma linguagem que todos entendessem e que

suas estórias e personagens integrassem um conjunto único, harmônico

e de grande densidade poética.

5) Relação das Principais Obras

Pelo Sertão – contos (1898)

Os Jagunços – contos (1898)

Notas do Dia (1900)

O Contratador de Diamantes – drama (póstumo, 1917)

A Unidade da Pátria (póstumo, 1917)

Lendas e Trtadições Brasileiras

Conferências Literárias

O Mestre de Campo

Histórias e Paisagens (póstumo, 1921)

Ouro, Ouro (inacabado)

6) Palavras Finais

É inegável que Afonso Arinos iniciou na literatura brasileira o gênero

regionalista, pois toda a vivência do sertão, durante a sua infância e

adolescência em Paracatu, e na fase de seus primeiros estudos em

Goiás, marcaram profundamente a sua alma sertaneja, o amor pela sua

terra, e a devoção para com sua pátria. Toda a experiência vivida no

exterior, curiosamente, serviu para aguçar e reforçar o sentido universal

de seu regionalismo. Soma-se a tudo isso a sua grande cultura, com

forte traço humanista.

Arinos viveu numa época, final do Século XIX e início do Século XX,

quando a literatura brasileira buscava uma identidade numa nova

corrente realista, a monarquia agonizava e prenunciava a república, a

industrialização no mundo mostrava sua força caracterizando um novo

momento na relação capital e trabalho, a escravatura se extinguia e

ganhava corpo o exercício dos direitos humanos e da cidadania.

A partir desse ambiente transformador, Arinos nos trouxe uma literatura

genuína, extrai o que há de mais puro em nossas raízes e reforça

uma identidade local, nacional, com amplitude de valores. Daí a sua

universalidade, quando apresenta a todos nós a grandeza que somos

enquanto seres humanos e como podemos interagir com o nosso meio

ambiente, de forma ativa, numa relação da mais nobre igualdade. Ele

foi mais longe, provou que essa relação é de amor, é de alma, é de

devoção, é de profunda humildade perante à imensidão desse universo

que nos foi concedido.

Termino essa pequena introdução ao universo arinense com os trechos

iniciais e finais do poema-prosa Buriti Perdido:

“Velha palmeira solitária, testemunha sobrevivente do drama da

conquista, que de majestade e de tristura não exprimes, venerável

epônimo dos campos!

No meio da campina, de um verde esmaiado e merencório, onde

tremeluzem às vezes as florinhas douradas do alecrim do campo,

tu ergues altaneira, levantando ao céu as palmas tesas, – velho

guerreiro petrificado em meio da peleja!

Tu me apareces como o poema vivo de uma raça quase extinta,

como a canção dolorosa dos sofrimentos das tribos, como o hino

glorioso de seus feitos, a narração comovida das pugnas contra

os homens de além!

Por que ficaste de pé, quando teus coevos já tombaram?

Se algum dia a civilização ganhar essa paragem longínqua,

talvez uma grande cidade se levante na campina extensa que

te serve de soco, velho Buriti Perdido. Então, como os hoplistas

atenienses cativos em Siracusa, que conquistaram a liberdade

enternecendo os duros senhores à narração das próprias

desgraças nos versos sublimes de Eurípedes, tu impedirás,

poeta dos desertos, a própria destruição, comprando teu direito

à vida com a poesia selvagem e dolorida que tu sabes tão bem

comunicar.

Então, talvez, uma alma amante das lendas primevas, uma

alma que tenha movido ao amor e à poesia, não permitindo a

tua destruição, fará com que figures em larga praça, como um

monumento às gerações extintas, uma página sempre aberta de

um poema que não foi escrito, mas que referve na mente de cada

um dos filhos desta terra.”

FONTE: www.festivalsagarana.com.br

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