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27/01/2012

ANTÔNIO DÓ, HEROI DO GRANDE SERTÃO VEREDAS, cantado em poema de XIKO MENDES.

Antônio Dó de Volta ao Grande Sertão Veredas
(Parte I: Antônio Dó – Herói do Grande Sertão Veredas)

Xiko Mendes
“Antônio Dó – severo bandido. Mas por metade; grande maior metade que seja. {...}. O Senhor pensa que Antônio Dó ou Olivino Oliviano iam ficar bonzinhos por pura soletração de si, ou por rogo dos infelizes, ou por sempre ouvir sermão de padre? Te acho! Nos visos... (...). Mas, nestes derradeiros anos, quando Andalécio e Antônio Dó forcejaram para entrar lá, quase com homens mil e meio-mil, , a cavalo, o povo de São Francisco soube, se reuniram, e deram fogo de defesa... (...) Antônio Dó eu conheci, certa vez, na Vargem Bonita, tinha um feirinha lá, ele se chegou, com uns seus cabras, formaram grupos calados, arredados”. In: Rosa, Guimarães; Grande Sertão: Veredas, 33ª impressão, Rio, Nova Fronteira, 1988. págs. 9-10, 143-144).

Com permissão do Seu Delegado
Que hoje comanda esta Cidade,
Bato no peito e fico animado
Com a licença da Autoridade.
Quero falar de um Homem Bravo
Que lutava sempre pela Verdade;
Só queria do Poder Togado
A Justiça e a Liberdade.
É Antônio Nunes de França,
Que nasceu em Pilão Arcado;
Deixou a Bahia com esperança
De ser grande criador de gado,
Mas no caminho a vingança
Fez seu direito ser ignorado.
Foi de Monte Azul pra São Francisco
Fixar residência na Boa Vista,
Mas lá num pacto sinistro,
Ele foi vítima de grande injustiça.
Neste mundo de muita fartura
Controlada por coronéis do sertão
Foi trapaceado na venda de rapadura
E ficou sem seu dinheiro na mão.
Aí veio outra disputa dura
Onde ganhou quem não tinha razão.
Convencido de que a Justiça não nega
Na Lei o Direito de Propriedade,
Brigou com o Coronel Chico Peba
E foi preso na cadeia da Cidade.
Aí viu que a Justiça não é cega
Nem tudo ocorre na legalidade.
Passou a não acreditar em mais nada
Depois que saiu daquela prisão,
Pois o Coronel que cercou a aguada,
Motivo da briga em questão,
Ganhou na lei... e na marra!
E ele, além do assassinato do irmão,
Viu a sua fazendinha roubada.
Revoltado com tudo isto,
Fugiu pra bem longe no Sertão.
Deixou a cidade de São Francisco
Atrás de jagunços no Marco Trijunção.

Voltou para vingar o coronel maldito

E ordenou a temerosa invasão
Atacando a sede deste Município.
Ele queria que fosse indenizado
E a promessa feita não foi cumprida,
Pois atrás dele vieram os soldados
Libertando a cidade invadida,
Mas fora dela, seu bando armado,
Derrotou a Polícia na saída.
Lutando contra essa injustiça,
Virou personagem de jornal,
Fugiu pra Vargem Bonita,
Famoso na crônica policial.
Perseguido pelo comandante Felão,
Que incendiou aquele vilarejo,
Correu atirando em toda direção
Tornando-se um Herói Sertanejo!
O Comandante, que não tinha medo,
Fez o povo daquela vila arrasada
Ritualizar a Dança da Troca de Dedos
Na boca e... entre as nádegas.
Antônio Dó foi pro Marco Trijunção,
Divisa de Goiás, Bahia e Minas.
Ali veio nova perseguição,
Pois esta parecia ser sua sina.
Mas agora teve proteção
De um coronel cheio de carabinas!
No Itaguari, afluente do Carinhanha,
Fronteira entre Minas e Bahia,
A Polícia, com a sua sanha
Atrás do bando que perseguia,
Foi derrotada de forma tacanha
E o bando fugiu pra Sítio d’Abadia!
O Comandante Amaral, ferido e só,
Ordena à sua Polícia a retirada.
Deixando Goiás, Antônio Dó
Entra no município de Januária.
Mas antes agradece ao Homem
Que o protegeu em Sítio d’Abadia,
O Coronel Joaquim Gomes,
Que todo o Marco Trijunção temia!
Seu destino agora terá outro fim,
Pois vira “juiz de paz” no sertão.
Vai morar no povoado de São Joaquim
Arbitrando causas em comissão.
Vira um bandido mercenário
Combatendo atos de injustiça.
É a vingança contra latifundiários
Que não respeitam a lei escrita!
Desculpe, Seu Delegado, agora
Porque tudo isto é verdade,
Pois às vezes a Justiça demora
E não julga com imparcialidade.
Como um bandido profissional
Revoltado com erros da Justiça,
Antônio Dó inicia o ritual
De matar e correr da Polícia.
Mas escapam entre os dedos seus anéis
Quando decide matar um fazendeiro,
Consegue contra ele unir os coronéis;
Cai em desgraça e em desespero.
Ousada, a sua quadrilha assassina
Decide matar João Soares,
Latifundiário de Formoso de Minas,
Amigo do Major Saint’Clair F. Valadares.
Associando-se com outros bandidos,
Rouba a fazenda e muito gado.
Daí em diante é perseguido
Sem trégua por todo lado.
O Coronelismo apóia a Polícia.
Agora o que se vê é o anúncio:
Caiu nas mãos da Justiça
A maioria de seus jagunços!”.
Antônio Dó – o Rei do Sertão,
O Homem com bala na agulha,
Divide o espólio da família Beirão
E leva muito dinheiro na cuia.
O dinheiro desperta a cobiça
Em todos os lugares por onde anda.
A esposa querendo ser viúva rica
Manda matá-lo e contrata o capanga.
Esta cena, que sempre me lembro,
Ocorreu em mil novecentos vinte e nove:
Foi bem no dia 14 de novembro,
Quando Antônio Dó, traído, morre!

Em Serra das Araras ali jaz sem alamedas.

Foi enterrado, cantado em verso e prosa.

Vive nas páginas de Grande Sertão: Veredas
Como personagem de Guimarães Rosa!
E aqui sai de cena o Herói do Sertão,
O Homem do qual tanto se orgulha
Por ter lutado de armas nas mãos
Por Justiça no Vale do Urucuia!!!

Este poema foi extraído do livro ECO-HISTÓRIA LOCAL: FORMOSO EM SALA DE AULA, Autoria de XIKO MENDES, Unifam, 2007.

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